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Blog Clara Averbuck

Atenção: política não é reality show

Clara Averbuck

09/11/2018 13h00

Depois de Bolsonaro ser eleito – um desastre, na minha opinião, a ponto de que os próprios eleitores já estão se arrependendo diante das escolhas de ministros corruptos, citados em processos, e daquele juiz que mandou prender o principal opositor de quem provavelmente já lhe havia prometido um cargo -, ainda estamos tendo que lidar com machistas e homofóbicos correndo soltinhos e se achando no direito de fazer piadas que nunca foram aceitáveis – mas eram toleradas há uns 30 anos. E agora ainda têm os absurdos saídos da boca do mais notório misógino eleito usando a expressão "torcer contra" o governo – sobre aqueles se opõem a ele.

Torcer contra.

Meus queridos, minhas queridas.

Um Governo Federal não é um time de futebol e uma eleição não é nem um programa de televisão onde o preferido é abraçado pela torcida na saída da casa e nem a Libertadores da América com um vencedor e um perdedor. Quando o futuro governante avisa que vai acabar com o Ministério do Esporte, com o Ministério da Cultura e botar um ponto final em qualquer tipo de ativismo, ele já deixa claro a que veio. Eu não sei se me espanto mais com seus eleitores surpresos porque ele vai cumprir o que prometeu ou com os eleitores surpresos com o que todo mundo avisou que ia acontecer: truqueria, gente corrupta, a boa e velha… velha política. Tão velha que não param de aparecer piadas com 1964. Não vejo graça alguma.

O saco encheu legal nos últimos anos. Ser feminista é um trabalho de Sísifo, como diz a escritora Aline Valek, e passar os dias explicando as mesmas coisas já me exauriu bem. Sim, eu sei que ninguém nasce sabendo das coisas. Eu não sabia e já falei muita besteira acerca de temas que não conhecia direito, mas essa prática, a de falar sem saber, parece ter se popularizado muito e agora todas as pessoas repetem como papagaios coisas que leem em comentários de facebook e notícias sem fonte no whatsapp.

Que lástima.

O próprio marketeiro do Trump, migo e apoiador do Biroliro, já deixou claro que as pessoas não sabem diferenciar política entretenimento, o que é, para eles todos, uma grande vantagem: torcendo como se fossem parte de um time vencedor, quem não tem muita ligação com política se sente "parte" de algo, sem nem se preocupar em saber as reais consequências de um governo que vai afetar as vidas de todas – todas – as pessoas.

Minha impressão é que vivemos em bolhas de alucinação coletiva, variando entre mãos rezando para "endireitar" o Brasil, gente rindo kkkkkk e bradando "CHORA" sem nem notar que vão chorar também, Alexandre Frota dando pitaco sobre educação, gente falando em "ideologia de gênero" quando se trata de direitos básicos de gays, trans, travestis mas sem questionar a cultura que impõe que todo mundo nasce heterossexual e se identifica com o gênero registrado em suas certidões, que bate no peito por aí pra dizer que omi é omi e mulé e mulé, que é tão violenta que faz o Brasil ser o país que mais assassina LGBTs no MUNDO.

E aí vem essa face do mal dizer que gays querem "privilégios". Qual privilégio? De se manter vivo? Realmente, que grande privilégio.

E aí vem o outro falar em botar polícia pra controlar escolas. Que porra é essa? Que ano é hoje? Quem são essas pessoas?

Se antes mesmo de assumir a presidência já estamos vivendo nesse tsunami de chorume e arrependimento, dá pra imaginar o que vai acontecer a partir de janeiro.

Que lástima, que mal estar, que força vamos ter que ter.

E não, nós não vamos embora. Não, não vai ter "ame-o ou deixe-o".

Só deixa quem pode ir pra Miami, né?

Eu vou dar uma descansada, cuidar de mim, da cabeça, do corpo, dos meus, e sugiro que façam o mesmo. Agora não vai adiantar ficar caindo na espiral de medo. Sugiro que você, que me lê, faça o mesmo. Vamos precisar de força e sanidade, além de estratégias, mas, enquanto não soubermos ao certo o que está por vir, apesar de termos uma boa (péssima) noção, vai ser apenas energia desperdiçada.

Força e sanidade para todos, então, pois de loucura já bastou esse processo eleitoral bizarro.

Sobre a autora

Clara Averbuck escreve desde sempre e começou a publicar na saudosa internet discada. É uma das pioneiras da blogosfera brasileira e tem sete livros publicados e adaptados para cinema e teatro. Já escreveu na Showbizz, Superinteressante, TPM, Claudia e muitas outras, foi colunista de jornais e revistas Brasil afora, tem gato, cachorro e filha adolescente, bebe e gosta, usa unhas de acrílico, é uma apaixonada praticante de pole dance e acredita que o corpo é uma festa. Dá aulas de escrita criativa e sabe que escrever é a perdição e a salvação.Eparrei!

Sobre o blog

Divagações e conjecturações sobre comportamento, sociedade, mídia, o universo e tudo mais.

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