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Blog Clara Averbuck

Sobre vulvas e censura

Clara Averbuck

06/09/2018 04h00

No ano passado, um pastor-vereador se incomodou com um grafitti da artista internacionalmente reconhecida e minha amiga Panmela Castro  porque ele e unzomi lá acharam muito ofensivo ter uma "genitália gigante" (sic) em um muro tombado. A obra fazia parte da Frestas – Trienal de Artes de Sorocaba. Ele tanto causou que apagaram a maravilhosidade, que tinha sido pintada num prédio tombado e foi assunto até de uma sessão extraordinária da câmara de vereadores, que seria cômica se não fosse tragipatética. É muita misoginia, é muito medo de buceta, é muito conservadorismo, muita ignorância.

Mas também era meio engraçado, confesso. A tal sessão era composta apenas por homens repetindo que era uma afronta às mulheres sorocabanas, um disparate, uma pseudoarte. "Mostrei pra mais de vinte homens! As mulheres estão muito ofendidas". Ué?

Primeiro que  genitália não define gênero, mas nem entraria neste tipo de embate com um homem que é capaz de se ofender quando enxerga uma vagina em uma pintura. O mundo é cheio de falos, desde esculturas até expressões, e é ok. Mas é claro que esse falo também jamais poderia estar associado a uma mulher, ou o mundo cairia. Porém o símbolo fálico, ah, ele está por todos os lados da nossa cultura e de outras. Mas uma vagina ofende, a vagina, oh, este buraco misterioso e tão despudorado que deu passagem a todos nós. Fico imaginando a consternação do pastor-vereador diante da pintura A Origem do Mundo, de Gustave Courbet. Seria aberta uma sessão extraordinária para removê-la do Museu D'Orsay, em Paris? Ou será quando uma vulva é retratada por um homem não tem problema? Afinal, não dá nem pra contar a infinidade de corpos femininos nus pintados por artistas homens. Mas, nossa, uma flor que remete a uma vagina ofende, é grotesco, é horrível.

Mas não somos de arregar e arquitetamos uma resposta, que aconteceu no último sábado, na a7ma Galeria: Panmela eternizou em mim o grafitti censurado. Agora eu tenho uma belíssima tatuagem na minha barriga.

Que conste que a artista já grafitou mais de 30 cidades mundo afora e jamais tinha deparado com uma vergonha institucionalizada dessas. É descarada a misoginia e a ojeriza que esses homens têm a tudo que consideram feminino. Azar o deles. Que tenham pesadelos com vaginas dentadas gigantes, que tenham pesadelos com a destruição das normas de gênero e que o pesadelo deles um dia se torne verdade.

Sobre a autora

Clara Averbuck escreve desde sempre e começou a publicar na saudosa internet discada. É uma das pioneiras da blogosfera brasileira e tem sete livros publicados e adaptados para cinema e teatro. Já escreveu na Showbizz, Superinteressante, TPM, Claudia e muitas outras, foi colunista de jornais e revistas Brasil afora, tem gato, cachorro e filha adolescente, bebe e gosta, usa unhas de acrílico, é uma apaixonada praticante de pole dance e acredita que o corpo é uma festa. Dá aulas de escrita criativa e sabe que escrever é a perdição e a salvação.Eparrei!

Sobre o blog

Divagações e conjecturações sobre comportamento, sociedade, mídia, o universo e tudo mais.

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